terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Deficiência

Toda essa miscelânea de sons, o grilo, a geladeira, a televisão, o periquito, o ronco, o latido, a água, o carro, a chuva, o vento. Porque ouvimos as coisas? Será que é apenas resultado de nossa fisiologia, um processo mecânico do som propagado no ar que chega até nossos tímpanos e outros constituintes da audição? Não há razão para o ouvir além da de complementar a comunicação entre os seres? Será que o ouvir no ser humano, que consciente de si, não serve para algo além? O que nossos sentidos em si significam? São ferramentas corpóreas para analisar o real? Mas não é tão real o som de trovão em sonho? E porque temos a impressão de que conseguimos lembrar de sons e, como se os escutássemos ao lembrar, assim como a lembrança de um gosto, de um toque, de uma bela paisagem, será que não há um espectro além do físico para esses sentidos? Responderia dizer que se encontra essas impresões na mente, mas onde está a mente exatamente no corpo humano? No cérebro? A mente enquanto resultado de combinações estruturais corpóreas químicas resultam realmente no processar das informações em nosso cérebro. Mas além desse processo físico há algo que constitui essa capacidade? Pois o pensamento em si, de qualquer coisa, não é material, não é palpável. Os sentimentos são apenas resultados de um desencadear químico em nosso corpo, não há a cognição e intenção em tal sentir?

Sabemos que sim. Então porque não estender essa abordagem às demais funcionalidades de nosso corpo, principalmente as cerebrais, mais especificamente aos sentidos, que funcionam tanto no mundo material da vigília quanto no mundo imaterial dos sonhos. Porque o cheiro de uma perfumada flor ainda é cheirosa no sonho, ou porque o toque da mão de alguém no sonho é tão concreto quanto o aperto de mão de seu irmão quando se cumprimentam? Porque algumas sensações no sonho são tão semelhantes às sensações enquanto estamos despertos? E o que me diz de alguém surdo, que em seu sonho escuta todos os sons que possa imaginar, da tempestade ao mais leve sussurro? Claro que ele só irá ‘escutar-em-sonho’ se tiver aquele som fixado em si anteriormente. Mas onde ele fixou-se? No cérebro? Tudo bem, já que insistirão que é no cérebro então lanço a pergunta que quis lançar desde o começo, mas não poderia faze-la antes por achar necessário antes expor o discurso, perguntarei pois: Temos conhecimento de doenças degenerativas do cérebro que fazem com que pessoas percam alguns sentidos, paladar, visão, mas mesmo com a perca de tais sentidos será que não os têem e sentem quando sonham por exemplo com o gosto de uma goiaba ou com a visão do mais radiante nascer do sol, ou mesmo acordados essas mesmas pessoas não escutam em seu interior as doces vozes de seus parentes mais queridos que um dia ouviram e tem assim uma audição-interior como sendo um sentido deveras?

Costumamos chamar de ‘deficiências’ aquilo que consideramos ser a perda de qualquer das ‘eficiências’ do corpo humano, mas não só da ‘eficiência corpórea’ e ‘realidade corpórea’ é (e vive) constituído o homem. Portanto não julguemos alguém que não vê, não escuta, ou não sente gostos ou aromas de deficiente.O que falta a ele é apenas a parte corpórea (mecânica e fisiológica) de tais eficiências. Mas isso não o fará menos humano do que alguém completo corporalmente. A falta ou deficiência é uma idéia que criamos baseados na concepção antiga e atual de perfectibilidade da estrutura fisiológica do homem que eleva seu ‘ser corpóreo’, como a máquina perfeita do criador, isso é herança do ideal grego de Harmonia como o cosmos. Tiremos de nossas mentes tal idéia, o corpo humano nunca foi perfeito, pois se o fosse nunca precisaria ter se adaptado ao longo de sua evolução. E essa imperfectibilidade a nossa estrutura cognitiva e intelectiva também possui essa imperfectibilidade, pois quem de nós já encontrou a(s) verdadeira(s) razão(ões) de nossa existência? Mas não desistamos; de continuar essa busca, só por parecer impossível, homens destemidos a começaram em tempos longínquos e virão atormentar nossos sonhos se não ousarmos superá-los. No entanto, não entremos em um racionalismo e não vamos esquecer do corpo enquanto capaz de também experimentar (e constituir, e conhecer) a realidade, pois se tomarmos tal atitude estaremos esquecendo a objetividade do Ser.

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