terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Odisséia Cotidiana

Odisséia Cotidiana

Fala logo mulher, que já saio a catar!
Acabou o feijão, e o sal já tá no final!
Vô trazer! Não me espera acordada.
Sai, então ergue o cansado rosto ao céu.
Benze-se e ora sem demoras.
“Que Deus me acompanhe, e com Ele volte!”
Pega a sua carroça pelas hastes de madeira
E com seus pneus já carecas
É leve o fardo na saída de sua casa
Mas longo é o caminho pelas plagas Fortalezenses
Trânsito buzinante,
O Poderoso Éolo não é tão poderoso aqui
Aqui reina Apolo, esquenta-lhe a calva cabeça
Calor nos braços, já queimados, bronzeados
A primeira provação lhe aparece,
Eis uma grande e verde caçamba de lixo
Ele, baixo, não alcança do chão os ‘tesouros’ que ali estão
Mas pondera, e aproxima sua carroça da caçamba
Sobe num dos pneus e alcança a borda
Olha e vê garrafas descartáveis reluzindo ao sol
Parecem diamantes luzentes, uns verdes, outros alvos
Estica os braços para pegar,
Mas eis que uma enorme criatura salta por entre o lixo
Roedor voraz, que o assusta e logo se esconde
Depois do susto recolhe as garrafas
Jogando-as na carroça.
Procura mais, mas adverte sua prudência
“Cuidado com o rato”
Pensa nas doenças que dali poderiam vir
Parte então a procura de novas paragens
Um monstro metálico vocifera buzinante
E seu condutor brada: “Não atrapalha o trânsito
Catador de lixo!”
Homens vis não respeitam os heróis
Mas nosso andante não dá ouvidos
Cruza as ruas, e de tanto andar cansa-se
Pára e na calçada senta-se
O imperador daquela calçada o vê
E de dentro de seu palácio oferece iguarias ao homem fadigado
“Toma aqui esse café e esse pão.”
O homem, de rosto já suado, recebe e agradece
Ali mesmo come e conta algumas histórias
Para outro catador de lixo que ali parou
Antes reparte o pão, depois começa:
“Quase fui atrupelado ó! Um cara numa Hilux.
Ainda gritou num sei o quê pra mim.”
Eis que o outro responde: “É mah! A gente cata a sujeira deles
E o que ganhamos? Desprezo! Quase atropelados!”
A conversa é alígera, pois afazeres tem os dois.
Ruma então nosso andarilho carroceiro
Mas antes anuncia seu nome ao companheiro
“Meu nome é Ulisses.”
“Antôin.”
Parte e logo na próxima esquina encontra outras embarcações
Carroças parecidas com a sua, eram três
E seus condutores conversam sobre as nuvens
“Vai chover”
“Eita! O mosquito da dengue vai rondar!”
O temível monstro de tempos chuvosos
Um demônio que invade a casa dos míseros e dos ricos
Eis que chega nosso otimista protagonista
“É só uma nuvem pessoal!”
Os outros louvam
“Que Deus te ouça!”
Então passa por eles e vai catar alguns jornais
Jogados na rua
Lê notícias tardias enquanto os recolhe
“O grande herói do penta, Ronaldo, O Fenômeno
foi flagrado...”
Pasmado fica, um de seu heróis daquele jeito
Então após laborioso trabalho
O Meio do dia de Apolo está feito
Almoço, sua refeição no centro da cidade
Onde tantos de sua renomada estirpe comem
Enquanto comem, apressadamente, conversam
E tão rápido quanto comera parte as regiões residenciais de Fortaleza
Mas antes sente o benfazejo vento do oriente, que vem sobre mar
Da orla em que é conhecido o temeroso Dragão do Mar.
De epopéica vida, um herói dos antigos tempos.
Chega então a um grande conjunto residencial
Ali se encontram os mais ariscos seres
Que não lhe olham nos olhos
Górgona Medusa é aquele homem para tais moradores
Mas ele incólume passa, realiza seus feitos
E livra aqueles que ali moram do lixo que eles mesmos poderiam reciclar
É mais sábio ele por notar a importância de tal ato benéfico à natureza
Gaia todos os dias agradece este homem de espírito bondoso
Ele então suspira, árduo Hélio deus-sol não lhe deixa
Mas o crepúsculo não tarda, olha o céu
Venta um vento chuvoso distante
Ele lembra-se: “Feijão e sal!”
A sua mais árdua tarefa, pois não tem dinheiro.

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