sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

69 Poemas

69 Poemas

69 Poemas
57 poemas perdidos & 12 poemas precipitados












“Em 68 só fiz 69” (Roberto Piva)




D. Q. M.

&

M. D. A. S.

Um chá, um livro e dois pares de sapato.

- Porque eu fico em cima e você em baixo? Quer ficar por cima?
- Só se você tiver duas palavras do Roberto Piva escondidas em algum lugar.
- Eu sei onde estas palavras nascem, por onde se escondem é difícil dizer, mas vamos procurá-las juntos?
- Me deixa terminar meu chá e pôr meus sapatos e podemos ir juntos.
- Ainda bem que você lembrou só dos sapatos, o resto não importa.
- Eu sempre quis ir só de sapatos a um sebo, mas essa é a primeira vez que alguém concorda.
- Se caminhássemos com o corpo todo aí sim precisaríamos do resto, mas caminhar é um ato para os pés. Vamos?
- Eu falei sobre Piva pra te balançar, mas você sabe que eu gosto mesmo do Tolstoi, um velho mais decente, embora seu talento beire o cumulo da indecência.
- Piva e Tolstoi.
- Você e eu.
- Vamos?
- Escrever?

E eles foram...






1.

Quantos fiz não sei,
mas aqui estão a maioria dos que perdi.














2.

Quantos passos dei hoje?
Quantos pensamentos tive hoje?
Se cada passo foi um pensamento
Então perdi a conta.
Se cada pensamento foi um passo
Então achei o caminho.










3.

Minha geração, o que ela criou?
O que ela gerou?
Depois dela ainda se usará o nome geração?
Não ouso responder ainda;
Pois tento gerar algo antes que me perguntem.











4.

Sou uma pessoa diferente agora
Sou uma pessoa diferente agora
Sou uma pessoa diferente agora
Sou uma pessoa diferente agora
Sou uma pessoa diferente agora
Sou uma pessoa diferente agora
Sou uma pessoa diferente agora

Os versos aparentemente são iguais,
Mas eu nada tenho a ver com palavras,
Pois sou uma pessoa diferente agora.





5.

Mergulhar na profundidade de uma mulher
Ir sem ter garantia de volta
Afogar-se nesse mar que é corpo
E alma.
Nadar essas ondulações carnais
Com a coragem e o medo entre os dentes
Com a paixão e o ardor entre os braços
Com a vontade e o erotismo entre tudo.
Mergulhar,
experimentar o salgado e o doce da profundidade de uma
[mulher
O corpo é todo lábios,
Beijemo-nos!



6.


Qual o primeiro verso do poema?
E o segundo, onde ele está?
O terceiro, não achei onde procurei.
Perdi o quarto verso ao procurar o terceiro.
O quinto está dando uma volta em outro poema.
O sexto não quis vir hoje, está de folga.
O verso de número sete é supersticioso e não sai no dia
[treze
O oitavo acompanhou o quinto.
O nono, com ciúmes do oitavo, o seguiu.
O décimo verso teve o azar de não ter sido pensado.
O décimo primeiro teve a sorte de ter sido pensado e escrito
[Por um poeta de verdade
Já o décimo segundo, coitado, teve um poeta de mentira
[como pai
E o décimo terceiro está bem longe numa discussão por
[causa da superstição do sétimo
O de número catorze é tímido
O de número quinze é descuidado
O de número dezesseis está atrasado
E o verso de número dezessete é o mais lento de todos.












7.

Uma idéia está presa na minha razão,
Enganchada em dois neurônios.
A idéia está atravessada no bulbo
E não desce até a boca para que eu a diga,
Mas, mesmo presa, enganchada e atravessada
A idéia transcende e consegue ser escrita, e aqui está ela:
Se tudo é relativo, o Todo nem liga pra isso.









8.
A BACANTE ou O LADO FEMININO-DIONISÍACO DE NIETZSCHE

Ela engolia a agonia
A bacante,
Devorava o pênis da Moral
O rígido e pulsante membro da cristandade
Ela lambia a Primeira Filosofia
E dissolvia com sua ácida saliva
Os pilares da Metafísica,
A bacante trucida Platão
E Nietzsche grita: VIVA!
Ela rasga a carne dormente
Fazendo-a sentir novamente,
Ela oferece os seios suculentos
E bocas bacantes os devoram com voluptuoso deslumbramento,
A bacante introduz seus dedos na vagina das Religiões
E faz com que todos os deuses gozem,
Ela dilacera a fé
Tem orgasmos ao beber o doce sangue que escorre das chagas de Cristo,
Ela sodomiza o demônio Lúcifer
E cospe em suas asas negras,
A bacante seduz os Governos da Terra
E arranca os testículos dos governantes machos.
Com as fêmeas ela delira
E as faz delirar.
A bacante junta tudo no caldeirão da Hybris
Ela une cores, corpos, coisas, gozo.
Ela une forças, desejos, sabedorias, sonhos.
Ela une vida, morte, poesia, filosofia.
Ela ri do deus Apolo e de sua ingenuidade
Ela chora com o deus Dioniso e louva sua loucura sentimental
Ela estraçalha os livros sagrados
E limpa o sangue que escorre de sua verdade
Ela vomita vinho,
O doce líquido que vem de seu coração embriagado.
Ela lança no ar feromônios de frenesi
Ela arrebenta mentalidades ortodoxas
Ela almoça a Lei
E janta o Dogma,
Mastiga estas duas coisas
Dando dentadas destruidoras
Reduzindo a pó Legislações
A bacante não pára
Ela segue sempre
Sempre segue
Sangra sempre
Sempre sangra
Serve sempre
Sempre serve
A bacante canta
A bacante dança
E o ser-humano é a música que ela nunca cansará de apreciar.












9.

Esse é um poema para ser esquecido
E se você não lembra de esquecê-lo
Então cumpriu outro poema de esquecimento.













10.

Quantos poemas estão perdidos por aí,
Na mente dos poetas que não vingam?
Quem dera encontrá-los todos.
Esses poemas perdidos seriam vitais
Para que a poesia fosse encontrada.











11.

Qual o sentido da vida?
A Vida vai pela esquerda.














12.

Sinto o coração na ponta dos dedos
Em minhas mãos pulsam dez corações
E cada palavra palpita cheia de força,
Pois elas deslizam pela caneta
Como sangue negro de tinta emocionante
Escrever é um orgasmo do corpo-alma.










13.

Se minha poesia não é concreta
Ela é abstrata?
Se minha poesia não é imanente
Ela é transcendente?
Se minha poesia não-é
Ela é?
Se minha poesia não é sensível
Ela é inteligível?
Se minha poesia não é particular
Ela é universal?
Se minha poesia não é finita
Ela é infinita?
Se minha poesia não é Eros
Ela é Afrodite?
Se minha poesia não é contingente
Ela é necessária?
Se minha poesia não é causa
Ela é efeito?
Se minha poesia não é “panta rei”
Ela é imóvel?
Se minha poesia não é caos
Ela é cosmos?
Se minha poesia não é deus
Ela é diabo?
Se minha poesia não é amadora
Ela é profissional?
Se minha poesia não é corpo
Ela é alma?
Se minha poesia não é Mythós
Ela é lógos?
Se minha poesia não é hedonista
Ela é ascética?
E se minha poesia não é pergunta
Então vou começar de novo.

Se minha poesia não é concreta
Ela é abstrata?
...














14.

Todo poema será bem-vindo,
Mas bata antes de entrar.
Um poema educado é o que peço,
Pois hoje não quero um poema incômodo
Daqueles que irrompem do coração
E pulsam nas linhas.

Não! Hoje só os poemas simpáticos.
Pare de bater! Porra! Eu já falei!
Você não! Porra!
Tá. Entra, mal educado.

...

Pronto, já vai?
Tá. Adeus porra!

Esses poemas incontroláveis,
Desvairados.
Não param de bater à porta da imaginação
Não param de pedir umas linhas de anotação.
Poemas insones que ligam de madrugada,
Esqueçam o telefone do meu delírio!











15.

A folha em branco está nua
Vesti-la ou despi-la de palavras?
Vou vesti-la agora com estes versos
Para depois despi-la com poesia.












16.

Fico imaginando o calor que sentiriam as nuvens
Numa tarde como esta
Em que o Sol não dá trégua.
Imagino que a chuva seja, na verdade, o suor das nuvens
Depois de um Sol escaldante.











17.

Ele se encolheu no canto
No espaço entre o jarro e a parede
Agonizou até nunca mais agonizar
Antes de nunca mais se contorcer ele se contorceu
Com as patas arranhando o azulejo da parede
Ele tentava escalar uma queda que não tinha mais volta
Seus olhos amarelos continham uma profunda confusão
Eles diziam:
“Estou morrendo! Mas ainda estou vivo!”
Se eu imaginei estas palavras
Já não sei mais,
Mas a mensagem que recebi foi esta:
“Onde está o mundo?”
será que por isso ele arranhava a parede?
Será que tentava escalar uma queda livre?
Seus grunhidos eram fracos,
Mas bateram com força em meus ouvidos
A vida ainda tinha som no corpo daquele animal
E se ele pudesse falar
O que ia me dizer?
A vida dele está perdida para sempre
E fui o último que a presenciou
Antes de perder-se.











18.

O eu que vejo é um outro de mim
O eu que não vejo é e nem percebo
O eu que sou está escrevendo o que é ser eu.
(O eu que sou está escrevendo agora o que é ser eu).












19.

Este poema está bêbado
Eu estou bêbado
O planeta embriagado na sua rotação esquece a translação e a Lua
A Lua. Óh! A Lua.
Droga! Vamos começar de novo
Antes de devaneios sobre a Lua.
Vamos lá!

Este poema está bêbado
Eu estou bêbado
O planeta também
Você está sóbrios...
Porra! Não é ‘sóbrios’, é... é...
É o quê mesmo?
Sim! É sóbrio!
Você está sóbrio, pois todo bêbado é... é... é...
Merda!
Não era esse o verso;
Continuando.

Você está bêbado.
Não; espera; quem está bêbado sou eu, o poema e o planeta
E você está aí completamente sóbrio lendo esse poema
Que de tão bêbado está virando prosa. Pronto,
Essa é a conclusão: todo poema bêbado pensa que é prosa.
Entendeu? Oi, você está aí? Hein? Tá lendo ainda?
Droga! Todo bêbado fala sozinho mesmo,
Então vou continuar.
Concluí que todo bêbado só tem uma frase que demonstra sobriedade, é esta: “estou bêbado”. Quando o bêbado percebe que está bêbado não há momento mais sublime da sua sobriedade. Parece que eu me repeti; desculpem, mas esta é mais uma peculiaridade dos ébrios. Bem, o poema virou prosa; o poema acabou, pois o litro de cachaça não tem mais nenhuma dose de versos.
















20.

Quebrarei todos os meus sonhos
Vou reconstruí-los.
Bem maiores que os anteriores.
Vou sonhar os “sonhos reconstruídos”
E re-sonhar cada um dos que não for possível quebrar,
Pois alguns sonhos são indestrutíveis.










21.

Eu odeio toda esta cocaína dentro de você
Eu odeio cada seringa que beija tuas veias
Esse ciúme entorpecente que tenho dos teus ecstasys
Essa dor que é ver o álcool te abraçando
O cigarro te seduzindo
'Odeio muito tudo isso’,
Mas sabes bem que só eu,
Só eu tenho a droga que satisfaz teu coração.
(ouvindo a música ‘Heroin’ do Velvet Underground)







22.

A Vênus e o Pênis
Pensa a Vênus:
“O que eu faço com este Pênis?”
Pensa a Vênus:
“O que diabo faço com ele!?”
A Vênus, não sabendo o que fazer,
Guardou o Pênis entre as pernas.
E suas filhas aprenderam a lição.








23.
Algumas verdades – discutíveis é claro. (contem ao Papai-Noel, ao Bicho-Papão,à Deus etc...):

1. FILOSOFIA: um mero gaguejar da voz da Razão.
2. AMOR: só é possível sem orgulho.
3. VIDA: só temos essa, por isso aproveite!
4. MORAL: regras que o ser-humano aplica contra sua própria natureza
5. RELIGIÃO: ficção poderosa e convincente e nada mais que isso.
6. DEUS: o personagem principal da ficção.
7. POLÍTICA: tentativa do ser-humano de conviver com outro através do poder; desconfio que isso nunca deu certo.
8. MORTE: a única certeza que existe; e me pergunto porque ter medo da única verdade que conhecemos?
9. VERDADE: a grande mentira que nós insistimos imaginar que encontraremos; no entanto, procurá-la é um bom passa-tempo.
10. ESPERANÇA: “ela é a última que morre”. Nem mesmo a Esperança espera viver para sempre. Até ela há de desesperar, até ela.
11. PARADOXO: E o mais belo paradoxo é este: neste mundo a única coisa perene é a perecibilidade de todas as coisas.









24.
A FESTA Nº1

Há uma festa acontecendo dentro de mim
E nem sequer fui convidado
Mas eu vou mesmo assim. De penetra.
Entro em mim mesmo e começo a dançar.
Bebo. Como. Dou umas cantadas.
Algumas dão certo, outras não.
A bebida faz o efeito. Danço mais.
Bebo mais. Como mais. Mais cantadas.
A maioria dá errado, mas a que dá certo vale a pena;
Pois vou bebê-la, comê-la e dançar com ela
Todas as noites desta festa que acontece dentro de mim.




25.
A FESTA Nº2

Há uma festa acontecendo dentro de mim.
...
Ah, não tô afim!












26.
A FESTA Nº3

Há uma festa acontecendo dentro de mim
E olhem só! Pra esta fui convidado.
Que massa!
(passam-se alguns minutos):
Que porra de música é essa!?
É uma mistura aí de samba, pagode, axé, forró e afins...









27.
A FESTA Nº4

Há uma festa acontecendo dentro de mim.
Me barraram na entrada.













28.
A FESTA Nº5

Há uma festa acontecendo dentro de mim.
Meu coração me convidou.
Eu fui.
Ele não.
Esperei uns trinta e dois minutos, depois fui embora.
Voltei andando pela Rua da Rejeição
Chutando umas latas vazias
Que jogaram no asfalto da minha alma.







29.
CORAÇÃO DE DENTRO

Abra meu coração sem anestesia
Arranque o coração que está dentro dele
O coração do meu coração
Há um coração assim em cada um
Um que bate e pulsa por dentro
Um “coração de dentro”
Localizado na profundidade do coração de fora
Adentre e encontre e arranque
Arranque-o pela boca!






30.

Concordemos nisto: só temos esta vida.
Uma próxima é impossível,
E desconfio que é também improvável.
Portanto, está na hora de abandonar o cuidado que nos bloqueia
Que nos impede de abraçarmos a vida como poderíamos.
Esse cuidado é a mordaça que afoga nosso grito;
Esse cuidado é a guilhotina que nos arranca o crânio pensante;
Esse cuidado é a forca,
É o fuzilamento,
É a crucificação,
É o escalpamento da pele que sente o mundo;
Esse cuidado, nas palavras de Manuel Bandeira é
“a vida inteira que podia ter sido e que não foi”;
Esse cuidado, nas palavras de Jonh Dryden é
“não vivemos nunca, esperamos a vida”;
Esse cuidado, meus caros, é a morte.
Concordemos finalmente nisto:
Só temos esta vida, e ela é pra agora!














31.
COISAS PRA HOJE

Hoje: todos os poemas de Ferreira Gullar para que lembremos o gosto do Brasil.
Hoje: todos os fantasmas neste quarto, mostrando a felicidade de estarem mortos.
Hoje: todo o vinho que o coração suportar, nos embriagando a vida que pulsa.
Hoje: toda Razão fora e longe do homem para que possamos compreender Manoel de Barros.
Hoje: todos os sonhos desabrochando para que sintamos o cheiro bom da realização
Hoje: todo o sexo nos convocando para que percamos essa surdez moralizante.
Hoje: toda a vida que houver nessas células para que encontremos o amor no corpo.
Hoje: todo coração que houver no coração para que o sangue humano nunca embruteça.
Hoje: todo abraço que pudermos dar, pois assim nos agarramos ao que é durável.
Hoje: toda a liberdade para que escolhamos o hoje; pois este é o tempo que nos coube, cabe e sempre caberá.

O ontem foi o hoje do passado
O amanhã será o hoje do futuro
Portanto, todas as coisas foram, são e sempre serão para hoje.







32.

Existem pessoas que são pedra
Duras, pesadas, sem graça.
A pedra precisa de um terremoto pra se mexer
A pedra só quebra à base da força
A pedra dura,
Essas pessoas passam.










33.

Este é o pior poema do mundo
Esta bosta (o poema) é de osso e de carne.
Esta porra (o poema) é de pedra e de areia.
Esta ferida (o poema) é de pus e de sangue.
Esta desgraça (o poema) é de drama e de dor.
Esta fera (o poema) é de dentes e garras.
Esta besta (o poema) é de silício e circuitos.
Esta louca (o poema) é de vida e delírio
Esta luta (o poema) é de coração e suor.
Esta puta (o poema) é de rua e bordel.
Esta farsa (o poema) é de Estados e Governantes
Esta doença (o poema) é incurável e terminal
Esta lorota (o poema) é de palavras e idiomas
Esta inútil (o poema) é de Economia e Capital
Esta devassa (o poema) é de Sexo e lascívia
Esta Academia (o poema) é de isopor e de penas
Esta nação (o poema) é de gado e de escravos
Este viver (o poema) vale à pena,
Apesar de tudo.















34.

A Vida é a poesia
O Viver é o poema.














35.

Amo a poesia
Mas odeio o poema
Ele não comunica a poesia inteiramente,
Sempre escapa algo quando posta em versos.
Declaro, assino e dou fé:
Todo poema tem só um pouco da poesia que lhe inspira.

O poema é semelhante ao ser-humano
Incompleto quando nasce,
Enquanto vive
E quando morre.
O Poema, assim como o ser-humano,
Tem uma Poesia “inteira que podia ter sido e que não foi”



36.
FALO PÊNIS

Falo Pênis,
Pois falar Pênis não é feio.
Falo Pênis.


Falo Pênis,
Pois falar Pênis não é errado.
Falo Pênis.


Falo Pênis,
Pois falar Pênis não é menos poético.
Falo Pênis.


E só Pênis Falo
Porque Falo, poucos entenderiam
E falar Pênis é ser claro,
Pois este é o nome popular do Falo.














37.
COISAS QUE NÃO PRECISAMOS FAZER

Preciso descansar estes cílios,
Estas íris e estas retinas.
Preciso sossegar esta boca, estas mãos,
Estas pernas e este pênis.
Preciso acalmar esta carnalidade
E cuidar da minha espiritualidade.
Preciso amansar esta fera, este louco
Este coração selvagem.
Preciso de ascetismo
Chega de hedonismo. Chega!





38.
O SEXO DOS ANJOS

Os anjos têm sexo?
Bastante.
Todos os anjos trepam,
Por isso eles voam.
O orgasmo angelical é um vôo de êxtases.
Gozos aéreos, plumosos, luxuosos.
Os anjos se deitam
Se deleitam no céu de Eros.
Os anjos fornicam
No paraíso do Delírio e do Prazer.
Os anjos nos protegem,
Pois este é o dever deles,
Mas não nos contam nunca o que fazem depois do amém.


39.
NOSSA BELA CARNE BREVE

Louvemos à carnalidade;
É isso o que somos:
Perecíveis, finitos, mortais e humanos.
E isto é belo!
Nossa imperfeição inconformada
Nossa vida abreviada
NOSSO AMOR E MAIS NADA!








40.

Cada nó atado ao coração se desata
Assim chega o amor
Soltando amarras, quebrando escudos
Fincando forte a lança adocicada,
Lança suave e leve que nunca enverga
O amor é esta arma,
Que fere; que mata
E faz de nós cadáveres felizes.








41.

Que palavra um poeta pode rimar com amor?
Que palavra este mesmo poeta pode desconsiderar nesta
[rima?
Que palavra ele não pode deixar de fora?
Que palavra?

...

Que amor um poeta pode rimar com palavra?
Que amor este mesmo poeta pode desconsiderar nesta
[vida?
Que amor ele não pode deixar de fora?
Que amor?


42.

A poesia acontece fora dos versos
E fora deles ela não tem ordem correta
Ela nem rima, nem se desencontra
Ela é mais que tercetos ou quartetos

A poesia nem palavras é
Não é gramática, idioma, sintaxe ou alfabeto
A poesia não cabe em nenhum poema
Ela não é algo que caiba
Não tem tamanho nem limite

Poesia não se calcula
Poesia não se deduz
Poesia não se teoriza
Poesia não se pratica
POESIA ACONTECE

Poesia não se abre nem se fecha
Ela vêm sem tranca

Poesia não se escreve nem se apaga
Ela vêm sem palavra

Poesia não se cria nem se copia
Ela vem sem guia

POESIA ACONTECE
Começa na gente
E não termina.





43.
(à nua carne das plantas dedico este poema)

Vísceras arbóreas são o que brotam lá na Amazônia
Um cheiro podre de ganância
Um líquido asqueroso advindo da baba de madeireiros,
Ensandecidos por mais uma semente assassinada.
Está lançada a campanha: ‘Salvem a Amazônia!’
Que tal invertermos: ‘Amazônia, nos salve!”









44.

Retiro o termômetro da axila:
- 39 ºC de agonia. – falou o médico.
- Diga trinta e três delírios. – ele continuou.
- Trinta e três delírios. – disse eu.
- Bem, é Desespero. – disse o doutor.
- Qual o tratamento? . – perguntei.
- Sonhar.









45.

No oco do meu corpo está o povo
No corpo do povo há um oco
No povo oco falta corpo
O pouco do meu corpo não é novo
Só o povo sabe a dor por outro
O corpo é pouco nesse povo torto
O novo povo é quase doido
Meu corpo doido é um povo do outro
O corpo do outro é eco novo
O todo do povo oco parece pouco
O todo do povo novo parece corpo
O todo do povo doido parece outro
No oco do meu corpo cabe isso:
Oco, corpo, povo, pouco, novo, outro, torto, doido.
No oco do meu corpo cabe isso e mais um pouco.

46.

Não consigo dormir.
Não consigo escrever.
Não consigo mentir,
Pois daqui a pouco vou dormir
Depois vou escrever
E direi a verdade nestes versos.










47.

Sinto que perdi várias idéias
Mas sentir algo já é qualquer coisa
E qualquer coisa é melhor que nada
E ter nada é melhor que ter idéias perdidas
Que, na verdade, é ter algo paradoxal.
No fim só se tem uma coisa: a perda.
Ter o ‘perder’ é encontrar o nada em tudo.









48.

Sim, eu cavo profundamente em busca de mim mesmo
Sou arqueólogo da subjetividade
À procura de vestígios poéticos,
De versos envelhecidos e deteriorados.
Onde está o coração infantil?
Onde estão meus dias de antes?
Onde está o brilho dos meus olhos pueris?
Que fóssil revelará minha alma soterrada?

Encontrar poesias arcaicas
Escritas nas paredes da caverna de meu ser
Enveredo nesta arqueologia poética
E continuo a cavar o terreno que fui
À procura do elo perdido de mim.


49.
RAÍZES NO AR

Podar alguns galhos podres
Deixar brotar novos frutos
Adubar as raízes feito amores
Fortificar o caule
Elaborar a seiva
Espalhar o néctar feito beijos
Ser árvore frutífera
Não caber no solo da rotina
Ser árvore com raízes no ar.
(13/05/2009)





50.
Delirium 1

Mordendo aquele caco de vidro cortante
Sentindo o rasgo nas gengivas que sangram
Espremendo um pontiagudo e perfurante espelho com a língua
Arrepios na pele e nos pêlos ao riscar a ponta da faca no vidro
Sentindo a garrafa de vidro quebrada dilacerando a pele fina do pescoço
A carne vulnerável dói
O vidro mastigado ensangüentado
Vidro se despedaçando, o gosto dolorido a escorrer pelo esôfago
A garganta cortada, a língua triturada
Essa fome de dor
Esse delírio vítrel
Isso tudo dói e é um alívio
Jubila-te Delirium!
















51.
PERDIDOS

É tão bom sentir que estou perdido
Que perdidas estão minhas lágrimas
Que nem sabem porque as choro
É bom saber que fui de mim
Que meus escritos perderam-se
Dos olhos que nunca os viram
Perdidos estão meus passos passados
Assim não sinto remorso das topadas que podia ter evitado
Perdido estou
E só me encontro no momento em que sinto que me perco mais
Perdidos estão aqueles poemas,
Por isso encontrei este

PERDIDO NASÇO PERDIDO CRESÇO PERDIDO REPRODUZO PERDIDO ENVELHEÇO PERDIDO MORRO PERDIDO.

E perdido está o ponto final desse poema...
















52.
BOCA

Tua BOCA púbere
Meu lascivo beijo
Sua curiosidade afrodisíaca
Minha sabedoria sexual

Trêmula e Ansiosa
Dois feromônios entorpecedores
Óh! BOCA púbere
Darei-te o erotismo em forma de beijo
E assim nossas línguas ‘orgasmam’





53.
C. A. S. ou (? +? = ...)

Interrogações
Anatomias
Vinho
Poesias

Piva & Virgínia
Piva & Virgínia

Chuva
Alegria
Música
Três dias

Piva & Virgínia
Piva & Virgínia

Paredes azuis
Noites de Jazz & Blues

Ações
Emoções
E duas interrogações.











54.

Buddy ¹ Guy(de) ² my soul in the blues ³ brick road.
(Buddy guia minha alma na estrada de tijolos tristes)
_________________________________________________.
¹. Buddy Guy: famoso guitarrista afro-americano de blues.
². Guy(de): no poema tem sentido de ‘guia’ e vem do inglês ‘guide’.
³. Blues: gênero musical afro-americano; tem vários significados, mas no poema significa ‘tristeza’.









55.

IMPACIÊNCIA

... é isso e pronto!


















56.
INDIZÍVEL

[abre aspas] ... [fecha aspas].






















57.

JÁ FOI MAIOR

A POESIA ESTÁ DIMINUINDO E PERDENDO SUA COR.
























1.

Um resumo.

Sentou, olhou em volta, viu todas aquelas expressões, sorrisos brancos e olhos arregalados e só conseguiu gritar,
- Agora fudeu porque tá tudo FUDIDO!











2.

Tequila Guará.
Fervilhava a ponta da língua.
Linguaruda e fofoqueira cidadezinha montanhesa.
Um seio e o sal, limão e tequila.
Língua, par, poeira.
Porta, chave, saída.
Tudo rimando, pra tirar o gosto da bebida.
Embriagados com o sabor da pele maçã, na manhã de carnaval.







3.

Dia.
Um saco vazio é como um corpo jogado.
Despido de sono e sonhos.
Coberto de sombras e penas, dores e asco.
Um saco cheio de cobranças e mágoa.
Um saco cheio de pus e láudano.
E você ainda brinca de pescar meus pés.
E você ainda brinca de dizer meu nome.
De chamar de fome o que sente por mim.
E o saco vazio tem tantas opções quanto eu as tenho agora,
Mas entendo que fora você que está de fora nada mais pode me adentrar.
Rasgar minhas vestes e me devorar de raiz a copa.
E o frio que eu encontro no conforto do cobertor, agora é mais um ponto morto,
Uma fuga vã.
Eu não posso ir onde você não está, pois também não estou.
Sou um saco vazio,
Sou o fio sem fio da meada,
Sou o elo perdido, o elo mais fraco,
O telefone ocupado às três e meia da madrugada.













4.

A cena do adeus.
Todas as imperfeições quebradas.
Não funcionam mais como eu queria.
Que meu amor me parta de partida.
Que a cena do adeus seja só mais uma despedida.
Só o amor me veste de desprezo e corta minha mortalha.
E me acompanha pela praia em dia de chuva.
Só o amor machuca com carinho,
E me desvia da rota dos sete mares.
Faz ficar perto do inferno o cavalheiro.
Onde a dama está quando a corte passa?
E os cortes feitos pra enfeitar sua coroa.
E todo amor é mais amor em dia de garoa,
Quando você corre molhado e beija alguém.


5.

Pé de tomatinhos.
O pé de tomate da menina dava tomates menores que ela,
Não tão pequenos como estrelas,
Não tão vermelhos como sangue,
Mas tomates, feito chuva, vindos não sei de que céu.
E a menina cresceu, o pé de tomate sumiu.
E a menina chorou e o pé de tomate sumiu.
E a menina sangrou e o pé de tomate sumiu.
Mas o pé de tomate era um amigo,
E quando ela precisou outra vez o pé de tomate voltou.
A menina dançou e os tomates sorriram,
Tão pequenos os tomates e a menina.
Tão tristes esses fins de poemas sobre tomates,
Quando a gente escreve molho e olho inchado.


6.

Poema escrito para um conto.
O mar vem afogar todo e qualquer poeta,
O sangue singra a seringa do doente,
O poço afunda-se em si mesmo,
E o cimento que deveria nos prender nos sufoca,
Cada um a seu lado,
Cada mês a seu tempo,
Cada vento a seu prado.
A vida é turva,
Como um rio de lama,
Como um gira sol à noite,
A vida é um vestido de seda,
O meu vestido de seda manchado de sangue que não posso mais usar.


7.

Boneca de giz.
Boneca de giz, inacabada tessitura,
Muito mais extensa que uma oitava de dó a dó.
Eu queria ter uma boneca de giz,
Fazê-la, desfazê-la.
Consertá-la sem costura.
Segurá-la com doçura e um pouco de cal.
Eu queria ter uma boneca com seu rosto,
Ganhar um sorriso branco,
Levar minha boneca em um papel preto,
E te colocar no muro cinza,
Carregar minha boneca no bolso da camisa.
Minha boneca de giz,
Eu queria uma casa de giz,
Uma filha de giz,
Eu queria uma cerca de giz,
Eu queria desenhar meus sonhos,
E te desenhar comigo,
Eu queria tudo feito um conto, feito um livro pra crianças.
E pegar nossas crianças no domingo pra passear na livraria.














8.

Um lindo galho musical.
Uma árvore morta,
Eu suponho, ainda canta.
Suas folhas sopranos e seus galhos tenores,
E cada tumor que a vida me fez perceber agora é só apetrecho,
Os dou de presente aos passantes.
Galhos de música,
Linhas melódicas.
Vem avenida, me engole,
Espere, tome mais um gole de gim.
Eu tenho a impressão que as flores cantam pra mim,
Que as flores comentam não sei o que sobre mim,
No jardim que eu não sei quem plantou.
Uma praga, a desventura de uma mulher solipcista aos 40.
Uma árvore morta canta os frutos perdidos,
Os tenores caídos,
Nossas iniciais apagas pelo tempo,
Assim como eu choro o doloroso momento,
Em que minhas raízes fincadas ao solo me impediram de te acompanhar.
E de um assomo,
Agora sou um galho morto que não sabe cantar.











9.

A canção sem som.
Em uma noite como essa a planície está longe,
Uma noite qualquer.
Pense onde estamos nós.
Meu amor sorrateiro.
Meu demônio sagrado,
Meu alaúde mágico, sem forma e sem corda alguma.
Pense que não há som,
Só vento, e os pobres que apodrecem assim como nosso amor,
Fogo fátuo?
Talvez o verde desses olhos que não são nossos junte-se a festa.
E é tão claro o barulho do teu corpo,
Um instrumento orquestral,
Sem nem uma técnica perfeita,
Sem professor ou spalla capaz de afinar seu sol.
Um lá bemol e um Dionísio bêbado, como uma sina te persigo.
Em silêncio, em uníssono.














10.

Caixa vazia.
O espaço trona-se opressivo a cada desvio seu, a cada gota de chá.
O espaço que eu queria e temia conseguir, agora me absorve.
Salve-me,
Se existe uma prece que te apresse me diga.
Envie-me um sinal de que você respira.
Consiga ser mais que um caracol pesado.
Seja um santo nome,
Grita com tua garganta perversa uma coisa bonita.
Cospe fora o ódio e me deita nesse chão de cobre,
E me escreve um rock ruim,
Desbote a minha boca vermelha,
Descora minha pele e decora essa caixa vazia que eu fiz de mim.
11.

Patamares.
Subir teus patamares e perceber essa sombra.
Teus calcanhares dela.
E todas as coisas secretas, contadas.
Ela e a força do vão.
O vazio trôpego e um silenciar.
E por ela tudo.
Por mim nada.
Nada há de te parar.
Agora há de ser feliz, há de ser.
Subir teus penhascos,
Despencar.
Desabar rios frios e congelar prisioneira,
Teus olhos,
Minhas vestes.
Cantares para uma menina morta,
Como tu cantas,
Não altere a voz, ela pode acordar.
E cortastes o cadarço e sobre o pequeno cadafalso alguém está a sorrir.














12.

Meia noite.
Escrever sobre um cansaço que me assusta,
A espera que tem sido meus dias.
Mas sei que tu não voltas,
Perdi meus malabares em algum sinal teu.
E sobre a corda bamba eu danço um samba pra você.
E nada disso te faz olhar em volta e tentar sorte.
Um vigarista esse destino, minhas fichas coloridas, meus arredores.
Estava no copo da direita aquela moeda.
A um custo muito alto eu acordo pra sentar ao canto e ouvir teu canto pra outra mulher.
Mas basta que a ciranda gire a renda,
Pra dançar minha dança pequena e dominar meus mares,
Mas basta que eu afaste teu rosto que me vem de assombro a memória.
Eu dancei aquele maldito samba, sobre a corda bamba pra te proteger,
Pra te ver sorrir,
Deixei girar a rendar enquanto te vi sumir na senda sem pensar na volta,
Eu deixei girar a renda e descer a lágrima.
E dancei um samba pro fantasma que me apavora.
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